Liberdade, liberdade, abra as asas sobre Cuba

Muito raramente publico aqui algo que não seja um comentário meu a respeito de assuntos que me interessam e julgo interessar a algumas poucas pessoas que me dão o prazer da visita. Hoje abro uma exceção e publico na forma de artigo um longo comentário feito por "Maria", desde a Espanha, sobre meu último post "O regime de Cuba é democrático, tanto é que lá existe eleições. Basta?". Volto em azul.

Caro blogueiro,

Seria prudente o senhor reservar sua sensibilidade para pessoas realmente necessitadas dela: os milhões de desplazados que existem pelo mundo passando por fome, privação de todos os direitos de saúde, sem possibilidade de estudo, de emancipação cultural, condenados a viver da forma possível, muitos deles levados a entrar em conflito com a lei e privados de liberdade. Sensibilidade merecem os opositores do regime espanhol, muitos presos acusados de terrorismo. A igreja católica espanhola, extremamente reacionária, ignora a existência desses: os “malos” que não estão inscritos na defesa dos evangelhos.

O último relatório da Comissão Cubana para os Direitos Humanos contabiliza a existência de 167 presos políticos na ilha e informa que somente neste semestre ocorreram mais de 800 prisões arbitrárias contra dissidentes. A ONU faz a mesma conta. A Anistia Internacional aponta 53 prisioneiros da consciência.

Em Cuba qq delinqüente pode ser assediado e rapidamente virar um preso político. Qualquer um que não deseje trabalhar, pode se dedicar a vender charutos roubados nas fábricas, ron ou outro produto subtraído do Estado, ou seja, pode prejudicar o patrimônio comum, que se for presos, por roubar, agredir, matar, estando disposto a falar que Cuba é uma ditadura, já terá status de “dissidente”. O que há em Cuba, e isso não é novo, são pessoas vivendo dos dólares para fazer em Cuba a contra-revolução. Mas um fato é notório: em Cuba jamais houve uma dissidência de valor, gente de outra estirpe, distinta desses ‘exército’ de vive atrás de dinheiro.

Quem fala dessas obstruções ignora o direito que qq estado tem para se defender de grupos pagas por potências estrangeiras, para atuar na defesa de grupos forâneos ao país. Quem incentiva essas ações são os grupos de Miami, interessados em recuperar em Cuba o regime semi feudal que havia antes de 59. Essas análises ignoram essa conjuntura de agressão permanente que apenas muda de feição. Essa bandeira de apontar Cuba como uma detratora do regime cubano não é nova. Vem desde Ronald Reagan.

Esse discursinho reducionista, que pretende anular o que é manter uma luta de meio século, sem trégua, é idêntico ao difundido pelo governo espanhol, pela igreja espanhola, por todos os setores dessa sociedade capitalista que está nadando aqui contra a maré para enfrentar a crise mundial que chegou forte neste país. Os trabalhadores estão como reféns, vendo seus direitos e salários indo para o ralo. Do fim deste capitalismo podre, ninguém fala. Aqui entre as notícias das viagens das infantas, das briguinhas entre os nobres das famílias reais, do casamento de Alberto de Mônaco, o mundo vai rolando com os mesmos esquemas de exploração do proletariado. Esses brasileiros que se dispõe a repetir de qualquer forma essas asneiras contra Cuba, aqui se sentiriam no céu! Maravilha: Chavez é louco, porque os espanhóis querem! E os neocolonizados assim repetem!
 
Essa previsão é a coisa mais recorrente aqui escrita. Essa peça de dominó já deveria ter caído junto com o leste europeu. Mas os defensores dessa surrada tese ignoram que Cuba está muito distante no histórico e no geográfico.

A libertação dos presos que recebem dinheiro dos grupos de Miami é reflexo dessa política que não esconde o anúncio de milhões destinados a recuperar a democracia em Cuba. O orçamento para 2011 já foi anunciado. E essa gente queima dinheiro? Para onde vão esses dólares, senão para pagar a imprensa hegemônica pelo mundo, senão para manter em Cuba milhares de gente sem trabalhar, havendo emprego, vivendo a custa dessa animosidade!

O mais impressionante nesse recente episódio foi a lástima que manifestou a “dama dos verdes”, preocupada que os familiares foram liberados para viver na Espanha! Seguirão eles recebendo sua mesada!? Do que irão viver sem a ajuda os democráticos do norte? Aqui na Espanha, onde me encontro, há uma ampla propaganda nos meios de comunicação, do que será oferecido aos dissidentes: glória, dinheiro, casa, emprego,... Isso sempre começa assim e acaba em divórcio como seria o esperado em qq relação permeada por interesses pouco claros. Não raramente, quando essas pessoas tem que viver trabalhando e encarando a vida, aflora o seu caráter cheio de culto ao dinheiro, ao consumismo. O governo cubanos já havia feito a oferta para trocar esses dissidentes pelos 5 cubanos presos nos EUA. Mas disso ninguém fala!

A defesa das conquistas da revolução da cubana não é para qq um! Está destinada aos que acreditam que o mundo não se quedó sem utopias! E nesse meio, nada pior do que um ex-esquerdista, que necessita, para se firmar, fazer uma negativa de tudo que um dia acreditou. Os erros existem em Cuba, mas a esperança ainda é o forte dos milhões de cubanos que lá estão na defesa da dignidade que conquistaram. Isso não é para qq um, é para os que sabem lutar.

O que esses cubanos pensam, como eles atuam, o que eles defendem, isso é que o ponto da questão aqui ignorado, a essa gente não é dado o direito de falar que Cuba pode ser um país destruído por essa guerra que se move contra ela, mas vencido nunca. Esse papel de lacaio do imperialismo não cabe mais nessa ilha, ainda que para muitos o chique seja isso, capitular assimilar o que dizem “eles”. E tem mais aos cubanos que estão lá lutando, pouco importa a falastronice dessa gente. Isso não é novo.

Que desejo me sobra que as pessoas pudessem ver aqui, na terra desses padres que vão a Cuba em missão humanitária, como há pobres pelas ruas com um olhar humilhado estendendo a mão para receber uma moedinha de euro! Que triste a invisibilidade dessa gente aos que estão preocupados em salvar as “vítimas do comunismo”!

Cara leitora Maria,

Como eu disse antes, imensurável é o valor da liberdade. Liberdade para divergir sem ser afrontado em sua privacidade, para ter e manifestrar suas próprias convicções sem ser por isto afastado de seu local de trabalho, para desenvolver sua luta mesmo que seja contra o regime instalado sem ser preso e acusado de ladrão, para desenvolver as próprias idéias, talentos e aptidões sem que o fruto disto seja apropriado pela burocracia estatal... Enfim, liberdade para se realizar plenamente. Liberdade que o seu comentário não demonstrou que há em Cuba. Porque não há. Simples.

Comentários

  1. Valterlúcio,
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    Tive o cuidado de conferir as referências que você postou no artigo anterior. Uma delas, a carta dos artistas, foi originalmente formulada por um grupo anarco-comunista de livres pensadores cubanos chamado Red Protagónica Observatorio Crítico - http://www.observatorio-critico.blogspot.com/ - que reivindica a autogestão como alternativa direta para o socialismo cubano.
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    Creio que aí está a razão de todas as altercações com o governo cubano: até que ponto um sistema de autogestão social não poderia redundar em um massacre? Cuba está a 30 km de Miami, e vale lembrar que ali estão os principais inimigos da Revolução, todos com muito dinheiro, apoio do governo norte-americano e propriedade de meios de comunicação, alguns com sinais propositalmente estendidos à Ilha.
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    A última vez que se tentou construir um Estado autogerido foi na Comuna de Paris (1871), que obviamente resultou em um massacre promovido pelo Exército franco-alemão. Particularmente simpatizo com esse modelo, e creio que é o modelo correto – democracia plena, autogestão social sem controles verticais. Porém, tenho dúvidas da aplicabilidade específica no caso cubano, pelo menos nesse momento histórico, sem que seja imediatamente seguido de uma fulminante invasão norte-americana.
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    Suponho que os problemas resultantes das inevitáveis pendengas entre os defensores do modelo clássico, atual, e o modelo autogerido, tenham produzido os eventos como os da carta que você postou. Não duvido deles. Como estão todos muito próximos do olho do furacão, põem-se imediatamente em guarda ao menor sinal de “perigo” – o que é, claro, lamentável.
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    De qualquer forma, há em Cuba as manifestações da Red, de outras organizações anarquistas e até mesmo de opositores do governo (Manuel Costa Morúa, René Gomez Manzano, Elizardo Sánchez, Osvaldo Payá Sandiñas e outros), claro que sob os protestos da população que afinal votou e organiza o sistema atual pelo sistema de assembléias populares que descrevi – as assembléias têm poder de anular mandatos.
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    O blog da Red traz inclusive mais um relato, com fotografias, de mais uma passeata exigindo “control autogestorario y obrero” em maio desse ano. Sem repressão, mas com as manifestações contrariadas dos trabalhadores, do povo cubano.
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    No mais, e correndo o risco de parecer enfadonho – no que peço antecipadamente desculpas aos leitores - quero só deixar algumas anotações sobre estatísticas de prisões e prisioneiros em Cuba.
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    Os dados passados pelo Valterlúcio trabalham com duas fontes: a Comisión Cubana de Derechos Humanos y Reconciliación Nacional (CCDHRN), uma ONG sueca com escritório de atividades em Miami e que – segundo o seu próprio site, http://www.cubanuestra.nu/web/article.asp?artID=1949 – reconstruiu as estatísticas com base em “informes de fontes familiares e relatos de prisioneiros e ex-prisioneiros” (sem revelar seus nomes), nem qualquer documento oficial das prisões ou dos prisioneiros, ou mesmo da ONU.

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  2. Em Cuba há um escritório da ONU, inclusive com site na internet - http://www.onu.org.cu/es/ - que disponibiliza, entre outras pesquisas, informações sobre a situação de Cuba em relação aos Direitos Humanos. Esses relatórios, que são públicos, mostram que 1988 Cuba recebeu um relator da Comissão Internacional de Direitos Humanos da ONU. Em 1994 convidou o Alto Comissariado de Direitos Humanos para uma segunda visita e em 1995 acolheu uma delegação integrada por representantes das organizações France Liberté, Federación Internacional de Ligas por los Derechos Humanos, Doctores Del Mundo e Human Rights Watch. Em 1999, dois grupos de relatores visitaram a ilha: um para localizar atividades de espionagem norte-americana e outro para se ater a questões relacionadas à violência contra a mulher.
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    E aqui entra a segunda fonte: a ONU.
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    Em 2005, sem indício ou fatos que indicassem tal necessidade, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, sob novo comando indicado pelos EUA, propôs uma nova inspeção para averiguar a situação dos direitos humanos na Ilha. Esta inspeção foi rejeitada por Cuba, mas mesmo assim o relatório foi apresentado à opinião internacional pela relatora, Christine Chanet. Desse relatório é que se originaram as estatísticas reproduzias por ONGs como o Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Anistia Internacional e outros, até bem-intencionados, mas desinformados. Como essas ONGs não fazem estatísticas, não trabalham com pesquisa de campo, reproduzem dados de outras fontes – e a fonte mais segura, claro, é a ONU.
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    Acontece que Christine Chanet foi destituída do cargo, após ser acusada de parcialidade não só por Cuba, mas por representantes de 26 países que ocuparam a tribuna da ONU em 2007, exatamente na apresentação do relatório espúrio colhido em 2005 com base fundamentalmente em depoimentos de ONGs anticubanas, sem uma única visita à Ilha.
    É esse documento que está servindo de base para a imprensa e as ONGs até hoje.
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    Se alguém duvidar, no que tem todo direito, então sugiro uma lida nos seguintes links:
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    http://www.cubadebate.cu/libros-libres/2005/03/29/la-manipulacion-yanky-de-los-derechos-humanos-como-arma-contra-cuba/
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    http://www.kaosenlared.net/noticia/bruselas-habana-derechos-humanos
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    http://www.cubavsbloqueo.cu/
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    No mais, Valterlúcio, talvez seja o caso de lembrar que “liberdade para divergir sem ser afrontado em sua privacidade” é algo que realmente deve ser buscado em nossa realidade. Estão aí as pancadarias policiais que se tornam todas as reintegrações de posse, a negação do direito de expressão para milhares de marginalizados, os “Dias D” da vida, o ódio visceral que borbulha nas menores discussões sobre política, as advertências e demissões de jornalistas (Heródoto Barbeiro, do Roda Viva, foi a vítima mais recente desta “liberdade de expressão” de fachada). Multiplicam-se os exemplos.
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    Não precisa ser utópico. Basta olhar a nossa realidade e constatar: o valor da liberdade é imensurável, sim - mas porque não a temos. Em nossa sociedade, mesmo aqui no Acre, quem tem a utiliza, e muito bem (e você sabe disso).

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  3. Caro senhor, com base nas palavras que trocamos, posso inferir que o conceito de liberdade que guardamos não coincidem em muitos pontos, provavelmente.
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    Para mim, liberdade quem dá é a educação e a cultura, e nisso, essa revolução pela qual o senhor se desapaixonou, tem se esmerado. Esta minha convicção não brotou por geração espontânea. Estudo a Educação em Cuba desde 1968. Estou indo a este país há 30 anos, realizei para 51 viagens a Habana,. Lá vivi muitos períodos de minha vida, a maior parte nas escolas em todas as províncias no país, uma parte delas nos campos e nas montanhas.
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    Privacidade, um termo um pouco políssémico, que no fundo pode armazenar uma concepção burguesa, ligada ao individualismo, é algo curioso e raro. Em nosso país esse coisa flutua um pouco pelas nuvens, pois os jornalistas tem que falar o que desejam os donos dos jornais, os professores ensinam o que cai bem ao gosto dos mantenedores, os bancários o que tem traz lucro aos bancos e por ai vai.
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    A pessoa se enquadra ou perde o local de trabalho e rua! Esse quadro de "privacidade" que o senhor pintou é onde? Ando pelo mundo todo e não encontrei esse valor imensurável! Na cidade onde trabalho 25 professores foram demitidos de uma universidade por "divergir da linha de trabalho" no novo reitor, muitos deles com 20 anos na casa. O senhor nunca ouviu falar de gente que dedica a vida a enriquecer um patrão e por qualquer "falha" vai parar na rua da amargura?
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    Outra coisa. Em que lugar do planeta uma pessoa luta para derrubar um regime e não é presa? Só se for em Marte, pois os vizinhos ao norte de Cuba mantém na lista de terroristas até crianças de 6 anos. A revolução cubana chegou ao poder por uma luta, onde morreram muitos, e quem quiser derrubá-la que entre nessa guerra. Para matar ou morrer, não para ficar jogando conversa fiada fora!
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    Todo estado tem o direito e o dever de se defender contra os agentes financiados para derrubá-lo. Na guerra promovida desde Miami, já morreram mais de 3000 cubanos civis em ações do exército mercenário.
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    A vantagem dos revolucionários é que essa gente se move por um único valor, que é o dinheiro.
    Mais o seguinte. Um ladrão é um ladrão. Um cara que invade uma casa para roubar, ainda que os gringos queiram transformá-lo em mártir, ele não deixará de ser um ladrão. Disso já falou exaustivamente Marx, do lúpem-proletariado, disponível para fazer o jogo a quem acumula dinheiro capaz transformar o ser um humano num farçante. Uma coisa é certa. Para um país que investe tanto em educação é triste, que existam pessoas dispostas a esse jogo.
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    O meu comentário não irá mudar nada sobre aos seus olhos, com certeza. Se nós seguíssemos falando sobre o Brasil, Venezuela, Iraque,..., iríamos discordar em quase tudo.
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    Mas eu quero que o senhor saiba. Uma pessoa que leu sua escrita discorda frontalmente da perpectiva nela apresentada.
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    E apenas para deixá-lo um pouco chateado, lhe digo que essa sua ex-paixão - Cuba- , segue firme. Tenho lá, nos campos e nas cidades, centenas de amigos, tenho minha família, prontos a defender tudo aquilo que conquistaram nesses 50 anos. A vida dos mercenários não será fácil, pois essa "liberdade" que eles querem desde Miami para Cuba, de mandar todos descalças aos canaviais, não vai ser recuperada assim de mão beijada, não!
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    Saudações revolucionárias.

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  4. Senhora Maria

    Com todo respeito, não há ditadura virtuosa.

    - Um homem educado e culto mas sem liberdade não passa de uma uma estante cheia de livros.
    - O operário pressionado pelos patrões pode mandá-lo às favas e procurar outra atividade, inclusive criar a própria, enquanto que o operário pressionado pelo regime pode, no máximo, se mexer nas algemas.

    A propósito. A luta dos cubanos em defesa daquilo que consquistaram, sejá lá o que tenha sido, não me chateia. É que defendo inclusive a liberdade de quem a ela renuncia.

    Saudações democráticas.

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