A ideologia do aquecimento global, por Daniela de Souza Onça

Abaixo um trecho das considerações finais da tese de doutorado de Daniela de Souza Onça. Apenas uma pequena amostra de um trabalho que deveria ser lido por todos os que não preccisam segurar a mão de alguém para ficar em pé, andar, pensar e decidir.

Enfim, a ideologia do aquecimento global consegue realmente reencantar o mundo. É impressionante a freqüência com que expressões religiosas – valores sacrossantos, santidade da vida, santuário ecológico, entre muitas outras – são evocadas quando se discute a questão ambiental. Este fato é suficientemente explicado pelo caráter holístico deste pensamento: querendo ultrapassar os limites de uma perspectiva antropocêntrica, acabamos considerando a biosfera uma entidade divina, infinitamente mais elevada do que toda realidade individual, humana ou não humana. Simultaneamente exterior aos homens e superior a eles, ela pode, no limite, ser vista como o verdadeiro princípio criador da humanidade.

Nestes tempos em que a morte das utopias parece alcançar até os que sequer chegaram a sentir seu gosto, a religião do aquecimento global abre um novo espaço de ação e de reflexão. Ela seduz um bom número dos que foram deixados em suspenso pelo vazio político e pelo fim das utopias – os decepcionados com o mundo moderno que todos nós somos, em maior ou menor grau. “Nada lhe falta: a ciência e a moral, a epistemologia e a filosofia, a cosmologia e a mística. O que serve para abrir horizontes novos a um militantismo carecendo de investimentos plausíveis”. Apoiada na idéia de uma “ordem cósmica”, a religião do aquecimento global reata com a noção de unidade, de sistema, que pensávamos estar desacreditada na raiz. Assim, ela pode pretender o status de uma autêntica visão de mundo, justamente no momento do colapso das utopias políticas e dos sistemas religiosos e em que os valores e as certezas estão cada vez mais flutuantes e indeterminados. A religião do aquecimento global faz brotar a promessa inesperada do arraigamento, finalmente objetivo e certo, de um novo ideal moral, agora não mais fundado em uma crença religiosa ou ideário político, hoje tão desacreditados. A religião do aquecimento global pretende ser realmente provada, demonstrada pelos dados mais incontestáveis da ciência, o único sistema intelectual em que ainda depositamos nossa fé.

Quando a realidade objetiva torna-se surda aos homens, como nunca o fora antes, eles tentam então arrancar-lhe algum sentido. Nesta vida sem significado, em que nos tornamos um nada a cada dia menor, a ideologia do aquecimento global consegue fazer-nos novamente sentir parte de uma comunidade e dar um sentido às nossas vidas: zelar pelo bem-estar do planeta e das gerações futuras. Nada agrada mais ao medíocre subsistente que o fato de que sua subsistência possa ter em si algum sentido. Nossa mediocridade, antes desprezada pela sociedade e por nós mesmos, agora possui um sentido: salvar o planeta, e o melhor de tudo, com atitudes igualmente medíocres. Fomos treinados para o isolamento desesperador e hoje nos tornamos ávidos de companhia e nos ajuntamos em frias multidões. Somos pessoas isoladas que querem salvar o planeta juntas!

Engajar-se na causa global warmer não custa nada e ainda proporciona o retorno imediato da percepção de superioridade moral, além do bônus de ver os poluidores pagarem por seus pecados. Em suma, a religião do aquecimento global antropogênico oferece a sensação de retidão e de conforto espiritual sem se ter realmente que fazer alguma coisa.

Tentar combater esse quadro com uma argumentação científica complexa não parece realmente ser uma estratégia com grandes chances de sucesso. Assim sendo, a revolta que as pessoas sentem contra os céticos do aquecimento global não é somente por estes serem, segundo suas visões, corrompidos pelo sistema e destruidores do meio ambiente; é também uma revolta contra o fato de eles serem destruidores de sua última esperança de ainda possuírem algum poder sobre o mundo em que se inserem. É mais reconfortante acreditar em todas as desgraças que se abaterão sobre a humanidade em conseqüência do aquecimento global do que acreditar na nossa insignificância e na falta de sentido de nossas vidas. É mais reconfortante pensarmos que somos capazes de destruir o planeta do que pensarmos que não somos capazes de coisa alguma.

Podemos, pois, atualizar a frase: “Acredito em aquecimento global porque não creio em Deus”.

Comentários

  1. .PROFESSOR EDUARDO D. CÂNDIDO GEOGRAFO- DEIXO MEU COMENTÁRIO

    Muito interessante o ponto de vista da Professora Doutora Daniela de Sousa Onça, realmente existem instituições, pessoas, seitas, políticos e outros mais explorando os possíveis eventos catastróficos do aquecimento global, também não se pode afirmar que a humanidade seja responsável por tamanho evento em nosso planeta pois o homem participa da biosfera terrestre a pouquíssimo tempo, porem não se pode ignorar este fenômeno, pois estão registrados no solo e analisados em pesquisas geológicas, em perfurações nas geleiras que períodos glaciais e períodos de degelo estiveram presentes na Terra, são cíclicos, e independe do homem, os impactos das atividades humanas estão sendo estudados de até que ponto interfere neste fenômeno e explorados por indivíduos já citados pela Professora Doutora e por mim.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Tá na Bíblia que chantagem é pecado?

“Marina não é analfabeta como o Lula” Caetano Veloso

Chega!