Agricultura familiar - os jovens se mandaram. E agora?

Nos últimos meses fiz algumas viagens de estudos a respeito da agricultura familiar com foco na implementação de políticas de assistência técnica e extensão rural. Além da crescente urbanização, um dado muito forte colhido em campo (não sei ainda se o IBGE detectou) foi o envelhecimento da população rural. Mesmo em regiões de agricultura familiar estruturada como o Paraná, as propriedades estão vazias de jovens. A próxima geração no campo será ainda menor e isto aponta para uma questão muito grave. Quem vai produzir alimentos para as populações urbanas?

Estava ouvindo uma palestra de um líder nacional dos trabalhadores rurais quando me veio à lembrança uma frase do professor Otávio Reis Filho (já falecido) que certamente muitos conheceram, principalmente no Acre e em Ouro Preto onde se instalou posteriormente. Disse-me ele um dia: Rapaz que aprende português, matemática, historia e geografia não fica no seringal. Se referia, lógico, à dificuldade de oferecer serviços básicos como educação, por exemplo, e ao mesmo tempo manter o seringueiro na floresta. Pois é. Parece que também não fica na agricultura.

Sei. Alguém pode dizer que o abandono do campo decorre é da falta de habitação de qualidade, de energia elétrica, de televisão, de escola, de esporte, de lazer, de acesso à tecnologia... Será? Não pelo que vi em algumas regiões do Paraná. Há muitas localidades em que nada disto é escasso, entretanto, nas habitações encontramos apenas o velho casal e no máximo um dos filhos. As meninas se mandam assim que podem para a cidade mais próxima e elas estão cada vez mais próximas e atrativas. Um ou outro se divide entre a atenção aos pais e à propriedade e a suas obrigações na cidade - estudo e trabalho.

Bom, mas se cada vez mais ele pode usufruir na propriedade de condições anteriormente exclusivas das áreas urbanas, por que raios ele se manda mesmo assim? Não sei. Sociólogos, geógrafos, antropólogos devem saber. O que sei por enquanto é que a renda da agricultura familiar é muito baixa. Estudos recentes demonstraram que é menor que a renda do trabalho doméstico nas cidades, ou seja, ganha-se mais em um trabalho doméstico na cidade, com 8 horas por dia, carteira assinada e folga no fim de semana do que no campo, onde não há dia nem hora para o trabalho duro em condições nem sempre salubres e com altos graus de incerteza quanto ao mercado.

No nordeste a situação é ainda pior, pois a renda agrícola e os equipamentos e serviços urbanos são ainda menores. Em uma pequena vila no interior do Rio Grande do Norte, pertencente ao município de Santa Cruz, no meio da tarde o que vimos foi uma paralisia total. Velhinhos nas janelas esperam o anoitecer, poucas mulheres transitam na rua sem asfalto, alguns garotos jogam bola na quadra e, ao indagar de que vive aquela gente, a resposta é rápida: O bolsa-família e as aposentadorias daqueles velhinhos são a economia local. Nada mais. Onde está todo mundo? Está na cidade, a agricultura "não dá camisa".

Há tentativas de superação dessa realidade. Lá mesmo naquela vila, um grupo de mulheres conseguiu fundar uma associação para beneficiamento de frutas e hoje consegue vender sua produção para a merenda escolar, por exemplo. Em um assentamento do MST, no Paraná, uma associação também liderada por mulheres conseguiu se inserir no mercado local a partir do beneficiamento de produtos de suas lavouras, mas também reclamam da rentabilidade e da crescente escassez de mão-de-obra no campo. Das famílias assentadas apenas 30% permanecem, as outras repassaram seus lotes para outros e buscaram outras oportunidades.

Tudo leva a crer que é preciso que os governantes encontrem formas eficientes de aumentar a renda da agricultura familiar para que ela cumpra o seu papel que, aliás, não é trivial.

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