No Acre, justiça dá uma canetada fora do quadrado
Leio no Blog da Amazônia (http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/xx) que a Justiça Federal DECIDIU pelo fogo zero a partir de 2012. Como o inteiro teor da Decisão não está disponível em nenhum meio eletrônico, ficamos restritos ao que foi publicado no Blog e na página do MPF Acre (http://www.prac.mpf.gov.br/news/mpf-ac-justica-decide-acabar-com-autorizacao-do-uso-do-fogo-no-acre).
COMENTO
Publiquei anteriormente, no Jornal “Página 20”, um artigo a respeito desta matéria (http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5715&Itemid=35). Como a decisão é favorável à Ação Civil Pública impetrada, retomo.
Não há porque duvidar da seriedade, das boas intenções e da razão jurídica do Juiz David Wilson de Abreu Pardo em sua decisão. Mas, creio, lhe faltou razão técnica (econômica e agronômica) para que concedesse liminar nos termos da Ação impetrada pelo MPF-AC e pelo MPE-AC.
A decisão se assenta em um pressuposto falso. O de que a mudança tecnológica obedece regramentos verticais. Pois afirmo: canetadas de Juiz podem muito, inclusive punir inocentes e inocentar culpados, mas não operam liminarmente na mudança tecnológica da sociedade.
A tecnologia pertence a um campo que supera a vontade. Dou um exemplo. Hoje, dia 8 de julho, por volta de 10:30 h no horário local, telefonei para a Justiça Federal de 1ª Instância Seção Judiciária do Estado do Acre (PABX Geral - (68) 3214-2000), ocasião em que fui gentil e prestativamente atendido. Meu interesse era acessar ou receber por e-mail o inteiro teor da Decisão do Juiz. A moça, gentil e prestativa, repito, disse-me que o texto não está nem estará disponível em meio eletrônico. A saída é ir lá no prédio e copiar as quase 60 folhas do termo. Fiz aqui umas contas. Estimativas bem modestas do IBGE apontam que no Acre existem cerca de 30.000 estabelecimentos agropecuários. Se cada um de seus donos se interessar, como eu, em obter a decisão do Juiz, serão 1.800.000 páginas, que equivalem a 3600 resmas de papel, que equivalem a 8000 kg. Isto significa a utilização de aproximadamente 300 árvores.
É claro que o Juiz gostaria de evitar essa derrubada. Mas não pode. Pelo menos por enquanto. Ele não dispõe no momento de condições para isto que, convenhamos, é algo bem mais simples do que plantar e colher na Amazônia. Terá que aguardar algum tipo de inovação ou aparelhamento do seu próprio gabinete para que se evite a utilização de papel.
A decisão apresenta ainda boas lições de agronomia. Uma indicação do que devem fazer governo e agricultores. Vejamos:
1. Adubação orgânica: concerne à utilização de leguminosas, como a mucuna-preta. São fontes de nitrogênio e matéria orgânica. Permitem a emergência de nutrientes de profundas camadas do solo. Reduzem o impacto das chuvas sobre a superfície do solo e minimizam os efeitos dos processos erosivos, além de representar baixo custo aos produtores.
Tudo verdade. Só uma perguntinha. Quantos hectares seria possível adubar no Acre com mucuna-preta? Que tal criar uma MUCUNACRE?
2. Adubação química: embora tenha custo elevado, exija prévia análise da composição do solo e ofereça risco de contaminação de mananciais, sua correta utilização possibilita a adequação das propriedade do solo às necessidades das culturas que se pretende implantar, além de permitir a imediata semeadura.
Também é verdade. Só que o “embora tenha custo elevado” esconde outra verdade: é caro. Vem de longe. Exige recursos, transporte e capacidade logística que não possuímos.
3. Mecanização agrícola: possibilita o preparo da área sem utilização do fogo, promovendo a descompactação do solo e a construção de terraços em nível ou desnível. Permite a construção de sistemas radiculares e o melhor aproveitamento dos recursos hídricos, evitando a lixiviação e a ausência de germinação.
Outra verdade verdadeira. Esqueceu de dizer que a maior parte dos solos do Acre não suporta mecanização pesada, que após as primeiras chuvas é impossível transitar com os tratores e equipamentos e que nem o DERACRE consegue pagar os custos de manutenção. Estudos da EMBRAPA apontam que apenas 11% das terras do Acre são francamente aptas à mecanização agrícola e quase totalmente verificadas no Vale do Acre. Outra parte apresenta restrições e outra, ainda, é completamente inapta à mecanização.
4. Sistemas agroflorestais ou silvipastoris: consiste no consórcio, rotativo ou não, de pastagem com o plantio de árvores ou leguminosas, e de culturas com exigências nutricionais diferentes que, além de acrescer propriedades ao solo, recompondo-o e conservando-o, diversificam as fontes de renda do produtor, o que reduz a pressão sobre as áreas ainda não cultivadas.
Boa definição dos sistemas agroflorestais. Faltou dizer que exigem alta organização, suporte de industrialização e comercialização, é restrito a algumas culturas e, mesmo assim, tem baixo rendimento líquido por hectare. Perguntem ao pessoal remanescente do RECA.
Volto ao ponto. A utilização da queimada na agricultura não é uma preferência. É uma escolha quase compulsória fundada em termos econômicos que se afirmam por sua capacidade de contribuir para o aumento da rentabilidade líquida da exploração. Por outro lado, não é porque determinada tecnologia existe que necessariamente terá que ser utilizada, ainda mais se nos termos de decisão do indivíduo ou grupo, esta lhe traz prejuízo, insegurança ou dificuldade/impossibilidade de implementação.
Por estas e por outras é que insistir na decisão provocará, a rigor, o cancelamento das decisões agrícolas e o engessamento ainda maior da economia acreana, ou, como desconfio, será inócua, pois em alguma medida afronta o princípio do direito mediante o qual ninguém está obrigado ao impossível.
Parabéns, expôs muito bem parte da real conjuntura do Estado do Acre, situação essa que é deturpada pelas "autoridades" - intelectuais "ad hoc".
ResponderExcluirÉ muito fácil se falar em fogo zero, pois quem o defende nunca necessitou produzir seu próprio alimento para poder sobreviver, como muitos dos pequenos produtores no Acre, esse "clero burocrático" está muito bem confortável em suas salas climatizadas, recebendo seus "miseros milhares de reais" às custas do contribuinte e dos produtores a quem querem prejudicar.
Hodiernamente, quase tudo é eivado da doutrina do tal "(des)envolvimento (in)sustentável", mesmo que implique em prejudicar os que deveriam ser os verdadeiros beneficiarios dessa utópia, vez que, só se beneficia mesmo dessa falácia os que fazem parte do Governo do PT e outros das tais ONG´s. se há divergência contra essa realidade, então que se demonstre o progresso trazido aos moradores da Floresta Estadual do Antimary onde há o tal do "manejo sustentável".
Novamente, parabéns Valterlucio por seus "augustus" comentários que contrapõem-se a esse fogo zero que não atende as peculiaridades do pequeno produtor agrícola do Estado do Acre.
O MPF/AC e JF/AC antes de se proporem à alguma medida tão agressiva contra os menos favorecidos, deveriam descer de seus pedestais, saindo de seus luxuosos gabinetes em buscar de irem ver a miséria e o real estado de abandono dos pequenos produtores agrícolas que em quase nada são atendidos pelo o Estado do Acre, se querem ficar se mostrando para a mídia, dizendo que fazem alguma coisa, que então condenem o Estado do Acre pelo descaso com seus cidadãos, obrigando-o a cumprir com suas obrigações estatais. Dizer que não há fundos para implementar tais obrigações é conversa para boi dormir.